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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Êxodo


“E um silêncio talhado
para o voo de um moscardo”
Eugénio de Andrade, “Paisagem”

vimos tudo o que se passou
como talhou
o silêncio à lâmina precisa
de voos de moscardos
empalideceu o céu picou-o
em milhões de pedras
que choveram sobre a areia
vagas de assalto de gafanhotos
a mastigarem a terra
vimos como deu às águas
a essência do sangue
vimo-lo na face de todas as pragas

até que encheu de vazio
a herança do Faraó
então vimos como talhou
o fundo do mar para a marcha
e nós passámos
inteiros



Rui Miguel Duarte
26/06/11

sábado, 18 de junho de 2011

Tudo o que nunca agradeci a Deus



Quero agradecer pela neblina da manhã,
pelos aromas, sons e cores
o equílibrio dos cinco sentidos
a harmonia natural dos quatro elementos
pelo sabor da vida
a montanha, o rio e a árvore
o perfume e sons da noite
a luz sobre o esquecido
pela hora suspensa do entardecer
as mensagens ocultas
o sangue da terra
os contrastes
e, pela doce despedida do dia



Por: Assunção Sampaio
14 de Junho de 2011

sexta-feira, 17 de junho de 2011

perdão

caminho
por uma moral de anjos
descalço

com o peso de um momento
absolutamente
imprevisto

e diante de mim as palavras
com que me abraças

levantando-me
do chão

sem culpa
nem juízos

(mar) 16/06/11

Apaixonado


O tempo marca minha face,
mas o teu rosto, o teu rosto
eu não esqueço

Ao te contemplar,
começo por apreender
o segredo.
Sou transformada pelo Teu desejo
és Tu o maior dos apaixonados



Julia Lemos 

domingo, 12 de junho de 2011

onde irei eu


ainda que a rosa
floresça no meu peito
e os espinhos corram no meu sangue
serei um veio que ecoa no riacho

tentei até aqui guardar os teus olhos
num jacto de chamas
reluzentes e selvagens
que giram em torno da terra

como um navio em alto mar
em que a suficiência dos seus segundos
e as marés que desbrava
são os faróis que o iluminam

onde irei eu sem ser convidada
se as estrelas traçam um fosco brilho
sombrio que geme ao redor dos medos
cobrindo o leito da madrugada rindo-se dos próprios fins

como uma ferida que dói
e arde e cura e fica para memória
onde irei eu se o tempo já escurece
e o dó é menor lá no horizonte do transcendente

certamente ficarei pelo impulso vivo da minha mão
segura em ti, que não me cobras o céu


(NAF)
10/06/11

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Presente da Vida



A velhice é um presente
Não é uma maldição
Recordo frequentemente
Com força, e compreensão
Sou agora outra pessoa
Muito mais condescendente
Embora o passado doa
A velhice é um presente

Vejo as rugas, e os meus óculos
É vejo neste meu espelho
Mas olhando o Universo
Vejo o meu irmão mais velho

Vi meus amigos partirem
Ferindo meu coração
A velhice é um presente
Meus amigos onde estão?
Quero trazê-los de volta
Por amor e compaixão

Sei que me esqueço de coisas
Mas eu sou abençoada
E meu Pai que nunca dorme
Nunca se esquece de nada
Nem do sangue de Jesus
Derramado em meu favor
Nesta velhice presente
Me deleito em seu amor

Carmo Nunes

O Rei virá


Ainda não surgiu o branco cavalo
alado trazendo sobre o seu dorso
um rei coroado de vestes cor de púrpura

- Num átimo destruirá todo o mal

Antes disso as potestades
no final da tarde tramam
e escutam entre os muros.

Antes disso, o amor tem sido
arrojado à cruéis
ventos contrários.

E até que venha o tropel sagrado
homens e mulheres proferirão
palavras inefáveis,
de luto diante do santuário.

Vem e não tarda
aquele que é fiel e verdadeiro.
Os seus olhos são chamas de fogo
e de amor inteiro



Julia Lemos

domingo, 5 de junho de 2011

As Cerejas


rasgando o frio a fogo
moldadas pelo sol
ou então lágrimas
dadas à incólume
árvore de sangue,
em paga dos seus trabalhos

ei-las no dia certo
cume da Primavera
e acume dos olhos
inevitáveis, mais
que a nossa vontade
contrárias a toda a razão

as cerejas
à boca reveladas


Rui Miguel Duarte
04/06/11

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Donde me Chegam os Versos?



donde me chegam os versos?
dum peso que tritura os ombros
a pluma e cai na língua toda
e se imiscui nos dentes?
não, chegam com côdea
embora de miolo isenta
como pão inacabado às mãos

dizem que o coração os dá
mas que o poeta não os sente
como um feto crescido fora do útero
é no parto que nele entra
e lhe enche os ossos e lhe navega
nas naus do sangue?

os versos de corpo inteiro
quando nascem é para dentro




Rui Miguel Duarte
02/06/11

quarta-feira, 1 de junho de 2011

o que a planta do pé pisar



O que a planta do nosso pé pisa
isso Deus nos dá
táxis amarelos
sobre alcatrões escaldantes
seguem protegidos por lagartas pretas
faces distantes
abandonam sem destino nem sentido
o pé descalço desprotegido
viagens insuspeitas
promessas
práticas apenas faladas
aquele que vive e sente
próximo do seu semelhante
diferença igual
igualdade diferente
de quem apenas é gente
respirando o ar quente
queimando o pé
intransigente
praticas concretas
acção coerente
Deus apenas dá o que cada um consente
água & fogo
cada um tira da mente
bênção ou maldição
jamais é tradição
antes sim
teimosia
pois tudo é bom
fazer é que pode ser mau
Deus tudo põe à disposição
o que a planta do nosso pé pisa
isso Deus nos dá


Tiago Moisés
31/05/2011